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Trânsito de Vênus em junho constrói ponte teórica entre astronomia e história
Arkan Simaan 17/03/04

1°) Passagem de Vënus

A passagem de Vênus diante do Sol em 8 de junho de 2004 é uma pequena dádiva aos professores de física, matemática, história e de línguas estrangeiras interessados em despertar o interesse de seus os alunos. Este artigo descreve brevemente a importância desse fenômeno, sua relevância, histórico-científica e faz propostas para atividades pedagógicas interdisciplinares e internacionais.

A passagem de Vênus -- também denominada, “trânsito” - é um evento excepcional: ocorre duas vezes em oito anos e, em seguida, não se manifesta por mais de um século. Portanto, sua observação é um privilégio reservado a apenas um terço da humanidade. Não há, evidentemente, nenhuma testemunha do último trânsito, em 1882.



O trânsito se assemelha a um eclipse onde o Sol ou a Lua --que mais freqüentemente passam por eclípses -- são substituídos por um planeta, neste caso Vênus. Na verdade, no Sistema Solar, apenas Mercúrio e Vênus podem envolver-se com o trânsito. Se o plano de órbita de Terra fosse o mesmo que os planos desses planetas, haveria uma passagem a cada conjunção inferior. Mas, como esses planos não coincidem, o alinhamento para um trânsito só ocorre quando a Terra e um destes planetas estão simultaneamente na linha dos nós (ver ilustração ....).

Contrariamente aos eclipses, os trânsitos passam despercebidos pelo tamanho reduzido desses planetas se comparados com o Sol. Por isso permaneceram desconhecidos até serem descobertos por Johannes Kepler no século 17. A descoberta de Kepler foi feita por cálculos matemáticos e não por observações. Mesmo sem apresentarem o impacto de um eclipse solar ou lunar, os trânsitos tiveram um papel significativo na história da ciência: em 1631, trouxeram a confirmação da justeza dos cálculos de Kepler (e, evidentemente, de suas leis). No século 18 permitiram a medição da distância Terra-Sol e estiveram na origem da fundação de uma cooperação científica internacional.

No século 17, o desenvolvimento da astronomia foi fundamental para o comércio marítimo dos países coloniais europeus. A impossibilidade de as tripulações conhecerem com precisão a longitude em que se encontravam em alto alto-mar criava uma série de dificuldades. Assegurar que os homens do mar pudessem conhecer suas posições foi uma das principais razões da fundação dos observatórios de Paris, na França, e de Greenwich, na Inglaterra, onde se convenciou, muito mais tarde, estabelecer o meridiano zero. Posteriormente, em 1714, o Parlamento da Inglaterra ofereceu uma recompensa significativa para a solução deste problema, muito acima do que haviam prometido outros países.

Foi nesse contexto que Edmund Halley, o astrônomo que batizou o cometa mais conhecido do público, convidou “curiosos” a medirem a distância da Terra ao Sol usando o trânsito de Vênus. Com a idade de 60 anos, Halley considerou que não estaria vivo quando o fenômeno ocorresse, em 1761. Em um apelo determinado, propôs que um astrônomo, no hemisfério Norte, cronometrar a duração da passagem (aproximadamente seis horas) em interação com um outro observador no hemisfério sul.

As diferentes posições desses observadores (ver ilustração pág.) permite a cada um deles acompanhar o planeta Vênus descrever uma trajetória específica frente ao disco solar (aa' para A e bb' para B), sendo a largura da banda “e” entre as duas trajetórias proporcional à distância (AB) entre os dois observadores na Terra. Segundo Halley, bastaria conhecer as durações aparentes de cada movimento para obter-se “e”, o que permitiria o cálculo da distância Terra-Sol. Halley prometia um resultado com a excelente precisão de 1/500.

O recurso proposto por Halley, engenhoso do ponto de vista metódico, não só implicava em viagens longínquas e perigosas, mas em numerosas expedições: de fato, era impossível imaginar que um instante tão único pudesse ser perdido por causa de uma nuvem desastrosa. Porém, Halley não podia prever uma ameaça ainda pior que o mau tempo: a guerra de Sete Anos, conflito iniciado em 1756 para o controle das colônias, cujos combates complicaram ainda mais as missões de 1761, sobre as quais já pairavam outros perigos, a pirataria, os naufrágios e o escorbuto.

Mas os cientistas não se deixaram intimidar. Cruzaram determinadamente as linhas de fogo e impuseram às monarquias inimigas o direito de cooperar. O navio dos astrônomos ingleses, Charles Mason e Jeremiah Dixon, foi violentamente bombardeado, com inúmeras vítimas. Do outro lado, piratas ingleses seqüestraram e abandonaram sem recursos o astrônomo francês Alexandre Guy Pingré na ilha Rodrigues, enquanto Le Gentil de La Galaisière errou pelo Oceano Índico vários anos antes de retornar, frustrado, para Paris. Em 1769, por ocasião do trânsito seguinte, o infortúnio manifestou-se outra vez: o francês Chappe d’Auteroche perdeu a vida na Califórnia e Charles Green, astrônomo da expedição de James Cook, morreu em alto-mar. A propósito, na primeira das viagens que o levou à Austrália, Cook, o mais famoso explorador inglês, teve também a missão de observar a passagem de Vênus em Tahiti.

No século 19, o trânsito de Vênus permitiu a fundação de um observatório feminino. Aproveitando-se da presença dos astrônomos mais famosos da época no campus delas, estudantes de uma escola para moças, na África do Sul, criaram, em 1882, o primeiro observatório para mulheres. Assim, mergulharam profundamente num campo quase exclusivamente masculino. Agora, vamos apostar que a passagem de Vênus, em junho, permitirá uma nova experiência: a entrada do grande público nas medidas científicas. De fato, os trânsitos têm a vantagem de serem fáceis de observar e de fotografar com equipamento simples e barato, sem dizer que desta vez será completamente visível na região mais povoada do mundo, a Europa, contrariamente ao que vai ocorrer em 2012. (Evidentemente, ninguém terá “paciência” suficiente para esperar o próximo em... 2117!)




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